Poema do recado
Antes de o sol nascer, o galo veio dizer que há muita coisa pra fazer, ela deve levantar. O café do marido, as roupas para o trabalho e um beijo definem bem o seu lugar. A sujeira na casa, a mobília e a vida lhe obrigam a se curvar. Pela rua até o mercado, caminha a mulher de José. Anônima como muitas mulheres, existindo à sombra de seu lar. O caderno do seu Joaquim diz que ela deve cem mangos. As dores nos pés e nos dedos alertam o sobrepeso das sacolas que está carregando. A vizinha, dona Lurdes, acena como de costume da beirada da janela. Pobre velha esclerosada, já tentou pular duas vezes, quebrou a bacia e a canela. Já em casa novamente, a moça se vê de repente, sozinha e muito cansada. Senta de perna cruzada, no sofá em meio à sala, já não aguenta mais aquilo. Por um instante fecha os olhos, pensa no dia e na sorte daquele momento tranquilo. Quando um brilho reluzente, um fetiche de luz estridente diz seu nome da vidraça. — Maria! Disse a voz. Escute meu