Poema do recado

Antes de o sol nascer, o galo veio dizer que há muita coisa pra fazer, ela deve levantar.

O café do marido, as roupas para o trabalho e um beijo definem bem o seu lugar.

A sujeira na casa, a mobília e a vida lhe obrigam a se curvar.

Pela rua até o mercado, caminha a mulher de José. Anônima como muitas mulheres, existindo à sombra de seu lar.

O caderno do seu Joaquim diz que ela deve cem mangos.

As dores nos pés e nos dedos alertam o sobrepeso das sacolas que está carregando.

A vizinha, dona Lurdes, acena como de costume da beirada da janela.

Pobre velha esclerosada, já tentou pular duas vezes, quebrou a bacia e a canela.

Já em casa novamente, a moça se vê de repente, sozinha e muito cansada.

Senta de perna cruzada, no sofá em meio à sala, já não aguenta mais aquilo.

Por um instante fecha os olhos, pensa no dia e na sorte daquele momento tranquilo.

Quando um brilho reluzente, um fetiche de luz estridente diz seu nome da vidraça.

— Maria! Disse a voz. Escute meu recado, não fique desanimada. Em seu ventre é gerado o próprio Deus encarnado, se alegre, acredite. Você não é coadjuvante, você é a principal estreante para o enredo da história. A humanidade vai se lembrar, com Deus se reconciliar, pelo filho que espera.

Maria, no fim do dia, tirou forças de onde não tinha e cantou uma canção.

Que singela melodia, que pulsante alegria estrondava seu coração.

O homem segrega e humilha, despreza, rebaixa e desvia o propósito da criação.

Mas Deus não vê dessa forma, dos pobres forja heróis, das pedras, exclamação.

Não pode ser oprimido aquele que é habitado pelo criador dos vulcões.

Não podes ser contido se o espírito que lhe sopra também assopra os tufões.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O povo da garoa

Eu sou o sr. Madruga

Depois da chuva